quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Texto de João Paulo Cotrim

Entre 8 e 80

O meu pai tem mais de 80 anos, gastou a vida fazer casas, a conduzir gente, a semear e a colher. Não foi político, mas motorista, de um serviço que ele entendia como público mesmo antes de o ser. Não foi político, mas tem saudades do Diário de Lisboa, seu jornal de sempre, por junto com o Jornal do Fundão, onde aprendi a ler Drummond de Andrade. Há dias retiraram-lhe com simpatia o direito a circular sem pagar nos autocarros que conduziu anos a fio. Tentei suavizar a coisa, o preço não era assim tanto, podíamos pagar essa nova portagem. Com justa indignação, como se eu tivesse 8 anos, explicou-me: quando começou a ter salário de gente na cidade, a simples ideia de 8 horas de trabalho por dia, dias de folga ou de férias era coisa revolucionária e extravagante. Foram raivas, revoltas, greves e desobediências, com preço pago no corpo ao longo de uma vida (notem bem, tudo isto numa só vida!), que tornaram aquelas ideias mera banalidade. O passe de velho não era benesse, mas fronteira derrubada. Por momentos também eu , achando que eram apenas trocos. Sem valor, mas possuindo supremo valor. O meu pai, não sendo político, mas lendo jornais de antigamente, voltou a explicar-me o lugar da cidadania, algures 8 e 80: uma horta pode tornar-se castelo, um trovão a voz do indivíduo e a coluna vertebral um dos mais altos faróis. Continuará a olhar a adversidade nos olhos, sem que nada o cale ou lhe colha os frutos das árvores ou da terra. Entalado entre ele, de 80, e os outros, de 8, vou dizer cantando e dançando no dia 2 de Março que o povo é quem mais ordena dentro de ti, minha cidade.